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IFRS 16: Contabilização, impactos e análise do EBITDA

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Por Marcos Batista, gerente sênior de Management Consulting na PwC e membro da Comissão de Controladoria e Contabilidade do IBEF-SP*

As contabilizações do IFRS 16 trarão mudanças significativas na estrutura patrimonial e no resultado de várias empresas e, por conseguinte, vários indicadores serão impactados, destacando-se o EBITDA. Portanto, é de suma importância entender tais contabilizações e seus impactos para conseguir avaliar o número que o EBITDA demonstrará.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC emitiu o Pronunciamento Técnico CPC 06 (R2) que discorre sobre as operações de arrendamento mercantil, cuja origem está correlacionada às Normas Internacionais de Contabilidade – IFRS 16. Com isso, a Deliberação CVM 787 tornou obrigatório, para as companhias abertas, tal pronunciamento a partir de 1º de janeiro de 2019.

Segundo o CPC 06 (R1), que antecede o CPC 06 (R2), “arrendamento mercantil é um acordo pelo qual o arrendador transmite ao arrendatário em troca de um pagamento ou série de pagamentos o direito de usar um ativo por um período de tempo acordado”. Ainda segundo o mesmo Comitê, “arrendamento mercantil financeiro é aquele em que há transferência substancial dos riscos e benefícios inerentes à propriedade de um ativo. O título de propriedade pode ou não vir a ser transferido”. Já o arrendamento mercantil operacional “é um arrendamento mercantil diferente de um arrendamento mercantil financeiro”.

Em termos práticos, até o final do ano de 2018, para as companhias abertas, a contabilização do arrendamento mercantil operacional continua a ser realizada ao se registrar a despesa diretamente no resultado do exercício, sem nenhum lançamento contábil no ativo e passivo. Já a contabilização do arrendamento mercantil financeiro registra o bem no ativo imobilizado, reconhece o passivo de arrendamento e lança a despesa financeira e a depreciação no resultado do exercício.

Com a adoção do IFRS 16, a contabilização do arrendamento operacional sairá de cena e os ativos caracterizados como decorrentes de arrendamento serão contabilizados como direito de uso, tendo sua divulgação em linha separada no balanço ou abrindo os saldos em nota explicativa. A divulgação dos passivos segue a mesma lógica. Dessa maneira, não haverá mais diferenças de contabilização entre arrendamento operacional e financeiro, já que o evento será tratado única e exclusivamente como arrendamento mercantil.

Além disso, vale destacar que mesmo que não haja um contrato formalizado de arrendamento mercantil, um contrato de aluguel, por exemplo, pode ser caracterizado como direito de uso, já que prevalece a essência da transação e não a forma do contrato (princípio contábil da essência sobre a forma).

O quadro abaixo resume o que foi exposto no parágrafo acima:

Contabilizações
ativo passivo resultados
Antes do IFRS 16 (até 31/12/2018) Arrendamento Operacional Despesa operacional
Arrendamento Financeiro imobilizado Arrendamento Despesa financeira e depreciação
Depois do IRFS 16 (a partir de 01/01/2019) Arrendamento Operacional
Arrendamento Financeiro Direito de uso Arrendamento Despesa financeira e depreciação

Esse efeito contábil provocará alterações importantes em vários indicadores financeiros, como por exemplo: EBITDA, ROCE, ROE, entre outros.

O EBITDA (sigla em inglês para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) existe desde a década de 1960. Ele ganhou notoriedade na década de 1970, nos EUA, para atender a expectativa de investidores sobre a avaliação apenas da parte operacional das empresas. No Brasil, a Instrução da CVM número 527, de 2012, dispõe sobre a divulgação deste indicador. O EBITDA é um índice bastante utilizado no mercado e a literatura elenca várias vantagens e desvantagens de seu uso. No presente artigo será evidenciada a análise do EBITDA após as contabilizações de arrendamento mercantil, de acordo com o IFRS 16 versus IAS 17 e demais análises, por meio de um exemplo simples e didático de uma empresa arrendatária, que será demonstrado a seguir.

Contabilizações do arrendamento mercantil de uma arrendatária

Uma pequena empresa varejista inicia sua operação com R$ 70.000 e compra R$ 30.000 em mercadorias, deixando o restante no caixa da empresa. Em seguida, assina um contrato de aluguel por três anos, com prestações anuais de R$ 12.000, cuja taxa de juros implícita é de 10% ao ano. Considera-se que, nos próximos três anos, essa empresa fatura R$ 25.000 por ano com um custo de R$ 10.000. Por simplificação, não foram considerados impostos e taxa de reajuste anual do contrato.

O primeiro passo para iniciar a contabilização do arrendamento mercantil é trazer a valor presente o montante de R$ 36.000 do contrato, considerando uma taxa anual de 10%. Portanto, o direito de uso e respectivo passivo de arrendamento é de R$ 29.842,22. As despesas de juros totalizam R$ 6.157,78, conforme demonstrado a seguir.

Período Valor Presente Juros Parcelas Prestações Despesas Juros Amortização Saldo da Dívida
0 29.842,22
1 10.909,09 1.090,91 12.000 2.984,22 9.015,78 20.826,45
2 9.917,36 2.082,64 12.000 2.082,64 9.917,36 10.909,09
3 9.015,78 2.984,22 12.000 1.090,91 10.909,09 0,00
29.842,22 6.157,78 36.000,00 6.157,78 29.842,22

Após o registro de todas as contabilizações (a planilha com o detalhamento dos lançamentos pode ser baixada aqui), evidencia-se o seguinte demonstrativo**:

Ref CONTAS Períodos
A0 A1 A2 A3
L1 TOTAL ATIVO 99.842,22 92.894,82 85.947,41 79.000,00
L2 Caixa 40.000,00 53.000,00 66.000,00 79.000,00
L3 Estoques 30.000,00 20.000,00 10.000,00 0,00
L4 Direito de Uso 29.842,22 29.842,22 29.842,22 29.842,22
L5 Depreciação Acumulada 0,00 -9.947,41 -19.894,82 -29.842,22
L6 TOTAL PASSIVO + PL 99.842,22 92.894,82 85.947,41 79.000,00
L7 Passivo Circulante 9.015,78 9.917,36 10.909,09 0,00
L8 Arrendamento Mercantil (PC) 12.000,00 12.000,00 12.000,00 0,00
L9 Juros a apropriar (PC) -2.984,22 -2.082,64 -1.090,91 0,00
L10 Passivo Não Circulante 20.826,45 10.909,09 0,00 0,00
L11 Arrendamento Mercantil (PNC) 24.000,00 12.000,00 0,00 0,00
L12 Juros a apropriar (PNC) -3.173,55 -1.090,91 0,00 0,00
L13 TOTAL PL 70.000,00 72.068,37 75.038,32 79.000,00
L14 Capital Social 70.000,00 70.000,00 70.000,00 70.000,00
L15 Lucros Acumulados 2.068,37 5.038,32 9.000,00
L16 RESULTADO
L17 Receita de Vendas 25.000,00 25.000,00 25.000,00
L18 CMV -10.000,00 -10.000,00 -10.000,00
L19 Despesas Financeiras -2.984,22 -2.082,64 -1.090,91
L20 Depreciação -9.947,41 -9.947,41 -9.947,41
L21 Lucro Líquido 2.068,37 2.969,95 3.961,68
L22 EBITDA 15.000,00 15.000,00 15.000,00
L23 Margem EBITDA 60,00% 60,00% 60,00%
L24
L25 Antes do IFRS 16 (IAS 17)
L26 Vendas 25.000,00 25.000,00 25.000,00
L27 CMV -10.000,00 -10.000,00 -10.000,00
L28 Despesa Operacional -12.000,00 -12.000,00 -12.000,00
L29 Lucro Líquido 3.000,00 3.000,00 3.000,00
L30 EBITDA 3.000,00 3.000,00 3.000,00
L31 Margem EBITDA 12,00% 12,00% 12,00%

Análise das contabilizações e impactos decorrentes

Ao analisar o demonstrativo da empresa varejista, vale a pena notar que a contrapartida do direito de uso de R$ 29.842,22 (Ref: L4) é composta pela somatória dos arrendamentos mercantis do passivo circulante e não circulante que totalizam R$ 36.000,00 (Ref: L8 e L11), mais os juros a apropriar do passivo circulante e não circulante que somam R$ – 6.157,78 (Ref: L9 e L12). Tal contabilização reflete um passivo financeiro (dívida) que antes não existia com os arrendamentos operacionais que eram lançados apenas no resultado. Portanto, índices de endividamento como, por exemplo, passivo oneroso/EBITDA e dívida líquida/patrimônio líquido serão diretamente impactados.

Com relação ao impacto no resultado dos lançamentos de arrendamento mercantil, vale notar que as despesas financeiras são decrescentes (Ref: L19), enquanto que o efeito da depreciação é calculado linearmente (Ref: L20) em função do valor do direito de uso e o prazo do contrato. Ao se somar as despesas financeiras do contrato de aluguel mais a depreciação dos três anos (Ref: L19 e L20) chega-se ao mesmo montante da despesa operacional pelo critério do IAS 17 que é de R$ 36.000,00 (Ref: L 28). Isso posto, entende-se que há diferenças temporais entre o IAS 17 e o IFRS 16, mas no final do prazo do contrato de arrendamento, ou seja, em três anos, em ambos os critérios o valor do lucro líquido total foi de R$ 9.000,00 (Ref: L21 e L29).

Outro ponto importante se refere ao desembolso de caixa. Em ambos critérios (IFRS 16 e IAS 17), o valor foi o mesmo, ou seja R$ 36.000,00 que se referem à somatória das prestações do contrato de aluguel. Em outras palavras, a mudança da contabilização decorrente do IFRS 16 não impacta o caixa da empresa.

Análise do EBITDA decorrente das contabilizações do IFRS 16

Com relação à análise do EBITDA, vale relembrar que os valores das despesas financeiras e depreciação não entram no cálculo deste indicador. Portanto, neste simples exemplo, o EBITDA é o resultado da Receita de Vendas menos o CMV que é igual a R$ 15.000,00 (Ref: L22), representando uma margem EBITDA de 60% (Ref: L23). Tal situação pelo critério anterior ao IFRS 16, ou seja, pelo IAS 17, é bem diferente pois há o lançamento da despesa operacional de arrendamento no resultado no valor de R$ 12.000,00 (Ref: L28) que compõe o indicador do EBITDA. Dessa maneira, o indicador resulta em apenas R$ 3.000,00 (Ref: L30), representando uma margem EBITDA de somente 12% (Ref: L31). Vale ressaltar que a situação é a mesma em ambos os casos, o que muda é o critério contábil, ou seja, a forma de contabilizar os contratos de arrendamento com o IFRS 16.

Esse simples exemplo exposto vai refletir o que acontecerá na prática a partir do próximo ano em vários setores. O analista da informação deverá estar atento à mudança da norma para questionar se realmente a empresa melhorou tanto operacionalmente. Esse simples exercício prova que não. Houve zero de melhoria e no entanto a empresa passou de uma margem EBITDA de 12% (Ref: L31) para 60% (Ref: L23)!

Conclusão

A aplicação do IFRS 16 a partir de 1º de janeiro de 2019 trará mudanças significativas na estrutura patrimonial e no resultado de várias empresas. Levando em consideração a abrangência do uso do EBITDA, com suas vantagens e desvantagens, e também as mudanças decorrentes da aplicação do IFRS 16, sugere-se moderação ao usá-lo. Será que, diante de tais alterações, o EBITDA ainda permanecerá na moda? Precisamos acompanhar os próximos capítulos a partir de 2019, mas vale o recado: analise com moderação.

 

 

*Marcos Batista é mestre em Controladoria Empresarial pelo Mackenzie. Autor do livro: A contribuição do controller como business partner – sistematização de atividades sob a ótica do sistema de gestão do desempenho. Atua como gerente sênior na área de Management Consulting na PwC.

**A coluna “Ref” significa Referências e tem por objetivo facilitar a análise do leitor. Por exemplo, Ref L1 e L6 fazem referência às Linhas 1 e 6, e menção às contas TOTAL ATIVO e TOTAL PASSIVO + PL.

A coluna “CONTAS” demonstra, de maneira simples, contas patrimoniais de ativo, passivo, patrimônio líquido e resultado, além de três indicadores: lucro líquido, EBITDA e margem EBITDA, de acordo com as contabilizações do IFRS 16 (Linhas 1 a 23). Em seguida, as linhas 25 a 31 demonstram contas de resultado e os três indicadores recém-citados, de acordo com as contabilizações do IAS 17, que é o critério anterior ao IFRS 16.

As colunas A0 a A3 se referem aos “anos” das contabilizações. A0 indica o ano de constituição da empresa e mensuração inicial do arrendamento mercantil. Os anos A1 a A3 demonstram, em conjunto com as contas, os valores decorrentes das contabilizações.

 

As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.

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