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“É possível virar o jogo”, afirma vencedor do Prêmio “O Equilibrista”

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ENTREVISTA  

Desafio não é uma palavra intimidadora para o executivo Guilherme Cavalcanti. Economista por formação, ele iniciou a carreira em bancos de investimento, nos quais formou sua base em tesouraria e análise do mercado financeiro. “Banco de investimento exige do profissional muita velocidade e acuracidade. Foi um ponto de partida muito bom”, observa Cavalcanti.

Cavalcanti: trabalho reconhecido pela comunidade financeira. Fotos: Mario Palhares

Em 2002, como tesoureiro do Grupo Globo, ele enfrentou seu primeiro grande desafio. Em anos anteriores, a companhia havia realizado uma série de investimentos para a expansão de seus negócios. No entanto, foi impactada pelo agravamento do cenário econômico do País, potencializado pelas eleições presidenciais daquele ano. A cotação do dólar havia disparado, batendo a casa dos R$ 4. A companhia se viu em uma situação crítica de endividamento. A alavancagem chegou a 19 vezes na relação dívida líquida/Ebitda.

Cavalcanti destaca que a venda de ativos na hora certa e a habilidade para a renegociação com credores foram fundamentais para o sucesso da reestruturação da dívida. Os recursos obtidos com as vendas foram utilizados para pagar os compromissos e a história teve um final feliz. “O Grupo Globo continuou a ser uma superpotência, e hoje tem uma geração de caixa enorme”.

Depois desse êxito, Guilherme foi convidado a assumir a tesouraria da Vale, onde mais tarde tornou-se CFO.  Em 2008, viveu o desafio de realizar uma capitalização de US$ 12,5 bilhões – em meio aos primeiros sinais do estouro da Crise do Subprime.

“Estávamos no meio do processo e o mundo começou a colapsar. Aprendi que você precisa agir rápido para aproveitar as janelas de mercado. Se postergar a decisão, você pode entrar em situações em que não vai conseguir reverter o quadro”.

Cavalcanti ergue o troféu na cerimônia do 32º Prêmio “O Equilibrista”, realizada pelo IBEF-SP em 26 de novembro de 2015

A experiência com reestruturação de dívida, no Grupo Globo, e o conhecimento sobre a dinâmica do mercado de commodities, na Vale, o tornaram o “perfect guy for the job”, como define, para assumir um novo desafio na Fibria. Na companhia, líder mundial na produção de celulose de eucalipto, o CFO e sua equipe foram protagonistas de uma das maiores viradas de página na indústria nacional.

Os frutos dessa trajetória renderam a Guilherme, em 2015, o título de CFO do Ano, pelo IBEF São Paulo. Nesta entrevista, o 32º Equilibrista compartilha as decisões que foram fundamentais para a transformação da Fibria – uma história que pode inspirar outros executivos a virarem o jogo em suas empresas.

O que significou para você ser eleito o CFO do Ano, em 2015?

GUILHERME CAVALCANTI: Muita emoção. Esse prêmio coroou não só a minha trajetória profissional, mas a trajetória da Fibria, da minha equipe e de todos os colaboradores da empresa. Acho que pode servir de inspiração também. Há três anos, a Fibria estava passando por um momento bastante difícil, que muitas empresas estão vivendo hoje.  Acho que isso pode ser uma luz de otimismo para os profissionais que enfrentam esses desafios.

Que cenário você enxerga para os executivos de finanças em 2016?

2016 vai ser um ano muito volátil. O executivo de finanças vai ser desafiado, bastante demandado. Mas é nessa hora que ele pode mostrar a diferença. O bom executivo não é aquele que prevê o futuro, mas aquele que se prepara para qualquer tipo de situação.

Por falar em desafios, você poderia comentar sobre a sua trajetória na Fibria? (A ação da Fibria (FIBR3) fechou o ano de 2015 com valorização de 71,44%, considerado o melhor desempenho entre as mais líquidas do mercado)

A Fibria nasceu em 2009 com um endividamento muito alto, de 7 vezes na relação dívida líquida/Ebitda. Quando eu me juntei à companhia, em fevereiro de 2012, esse índice de alavancagem estava acima de 5 vezes.

Desde então, realizamos todo um esforço para melhorar os índices de crédito e o custeio financeiro da companhia. Nesse processo, fizemos capitalização, vendemos terra, vendemos floresta, e com isso conseguimos diminuir muito a despesa financeira e aumentar a geração de caixa. O preço da celulose e o câmbio ajudaram também.

Quais foram os resultados desses esforços?

Conseguimos uma mudança significativa. Em 2011, a empresa teve um fluxo de caixa negativo de R$ 300 milhões. No terceiro trimestre de 2015, registrou Ebitda de R$ 1,55 bilhão e geração de fluxo de caixa livre de R$ 1,1 bilhão.

Hoje a geração de caixa da Fibria está muito mais forte. Isso foi decorrente não só do preço da celulose e do comportamento do câmbio, mas exatamente desse processo de desalavancagem. A despesa financeira está abaixo de US$ 150 milhões. E, quando você paga menos juros, sobra mais dinheiro para o acionista. Com isso, anunciamos em dezembro de 2015 um pagamento de R$ 2 bilhões de dividendos extraordinários para os acionistas.

Quais decisões foram as mais acertadas para que essa transformação ocorresse?

A primeira foi convencer os acionistas controladores sobre a necessidade de fazer a capitalização e colocar dinheiro na companhia naquele momento. Com essa aprovação, fomos a mercado trazer novos acionistas, ou os que quisessem acompanhar, para ajudar no fortalecimento financeiro da empresa.

Outra medida acertada foi realizarmos a capitalização muito rápido. Hoje os mercados são muito voláteis, então você tem as chamadas “janelas de mercado” que se abrem e se fecham com muita velocidade. A capitalização foi aprovada em março de 2012 e, em apenas 1 semana, fizemos o arquivamento de toda a documentação necessária para a CVM. Nem os bancos acreditavam que conseguiríamos em tão pouco tempo. Realizamos a capitalização em abril.

Essa operação se tornou um benchmark para os bancos, virou até um case. Se não fosse essa agilidade, só teríamos conseguido fazer a capitalização em junho – quando o mercado estava muito pior. Não sei nem se teríamos viabilizado a operação. Então, o senso de urgência nas decisões rápidas foi importante.

O que mais foi crucial?

Chamar os bancos para renegociar os limites de endividamento. Esses limites estavam em 3,5 vezes, em reais. Renegociamos isso para 4,5 vezes e transformamos para dólares. Ou seja, olhamos tanto a dívida quanto a geração de caixa em dólares. Com isso, retiramos a volatilidade desse indicador e proporcionamos mais flexibilidade financeira para a empresa.

Assim, a companhia pôde vender os ativos com mais calma, obtendo um preço melhor. Com um preço melhor, conseguimos pagar mais dívida. Então, acho que a negociação sobre os limites de endividamento com os bancos e, de novo, ter vendido ativos, naquele momento, foram decisões acertadas.

Nessas situações, você precisa fazer o que tem que ser feito. E tomar as decisões com agilidade. Porque o relógio financeiro não te espera; ele está correndo e quanto antes você atacar os problemas, melhor.

Quais momentos da sua carreira o ajudaram a ter a serenidade necessária para tomar essas decisões?

Acho que juntou a experiência que eu tive de reestruturação de dívida na Globo e a minha experiência com o mercado de commodities. Quando eu entrei na Fibria, a companhia estava em uma situação de alavancagem alta e era uma empresa de commodities. Então, isso se combinou para eu ser o que chamamos de “perfect guy for the job”.

O mercado prevê mais inflação e PIB negativo para 2016. Nesse cenário difícil, a trajetória da Fibria pode ser inspiração para outros executivos?

Muitos executivos financeiros foram pegos de surpresa pela desaceleração muito forte e rápida da economia brasileira. Boa parte vinha tomando dívidas para fazer investimentos, e aí, de repente, a economia dá uma virada para baixo, com resultados negativos. Então, essas empresas se viram, subitamente, em uma situação de alavancagem financeira semelhante à que a Fibria estava há três anos.

Hoje as grandes corporações estão com um endividamento, em média, de 4 vezes a relação dívida líquida/Ebitda. Se você desce para o middle market, essa alavancagem financeira está na média de 8 vezes. Eu acho que a trajetória da Fibria pode servir de inspiração e trazer um pouco de otimismo para as pessoas. Mostra que é possível virar esse jogo.

Ao longo do tempo, ocorreram mudanças significativas no papel do CFO. Como você vê essas transformações?

Hoje o fluxo financeiro é muito maior do que o fluxo comercial na relação entre os países. Dinheiro, no fundo, passa a não ser um problema para as empresas. Quando você quer fazer um investimento, se você tem um bom projeto, você consegue captar recursos.

Empresas que têm profissionais de finanças bem treinados, com credibilidade, possuem um diferencial em relação à concorrência porque conseguem atrair recursos com mais facilidade. Você consegue realizar seus investimentos com um custo de capital bem menor. E, na equação da competitividade entre companhias, o custo de capital passou a ser fator relevante.

Como isso impacta a função do CFO?

No novo capitalismo financeiro, o CFO está no front das empresas. Ele está falando com os mercados. Ele precisa entender a estratégia da empresa porque precisa conversar com os investidores e deve explicá-la bem pra atrair esse capital. Para se comunicar com o seu público-alvo, ele necessita estar cada vez mais inserido, conhecendo a operação e os planos da companhia. Nesse sentido, acho que o papel do CFO tornou-se crucial no que tange à competitividade das empresas.

Se você pudesse dar um conselho a um jovem executivo, que está começando a carreira em finanças, qual seria?

O mundo financeiro está cada vez mais sofisticado. Então, o primeiro conselho é: muito estudo. Hoje o executivo de finanças precisa entender muito bem de contabilidade, de derivativos e de finanças corporativas. E quanto mais você estudar, quanto mais treinado estiver nessas habilidades, maior a possibilidade de vocês se destacar e agregar valor em tudo o que estiver fazendo.

Outro conselho é mergulhar de cabeça nas oportunidades que lhe aparecerem. E, principalmente, combinar o estudo, a bagagem teórica que você aprende, com a aplicação prática. Eu acho que se você estuda muito, mas você não consegue trazer e aplicar aquilo na prática, você acaba esquecendo e não será tão útil.

Isso foi importante para você?

Eu diria que foi o grande fator que impulsionou minha carreira e meu sucesso. Tudo o que eu estudava, eu sempre fazia o paralelo com a prática. Eu levava aquilo para dentro da empresa, para o que eu estava fazendo, como forma de diferenciar o meu trabalho e de diferenciar a própria empresa, aplicando técnicas que estivessem no estado da arte.

Então, o meu conselho seria: muito estudo. Mas não só o estudo; trazer esse conhecimento para a empresa e aplicá-lo na prática.

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