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Custo, risco e alternativas de crédito mudam em cenário pós-crise

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O processo de negociação de crédito, seus custos e alternativas já estavam passando por uma mudança ao longo do tempo, que se intensificou diante de um cenário de crise decorrente da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). A Arte da Negociação do Custo de Crédito em Cenário de Volatilidade foi tema de webinar realizado em conjunto pelas Comissões Técnicas de Mercado Financeiro e de Capitais, e de Tesouraria e Riscos do IBEF-SP. Camila Abel, líder da CT de Tesouraria e Riscos, que é também diretora de tesouraria e riscos da AES Tietê Energia, e Rosangela Santos, líder da Comissão Técnica de Mercado Financeiro e de Capitais, participaram da abertura do evento contextualizando sobre o trabalho conjunto das comissões. 

O webinar contou com a moderação de Marcelo Gama, sócio-diretor da Daemon Investimentos, e Luis Vasco, sócio da área de Financial Advisory da Deloitte, que explicou sobre a área de reestruturação de empresas e assessoria de compra e venda de empresas não performadas da consultoria. “A negociação é parte integrante do nosso dia a dia. Assim que a pandemia surgiu, decidimos montar um grupo disciplinar para entender as consequências ao nosso ambiente, elaboramos muitos materiais e entrevistas, fizemos webinars e entendemos que as cadeias de negócios começaram a se conversar de maneira bem intensa”. 

Segundo Vasco, o processo de negociação está com nível de maturidade grande, e grandes fornecedores buscaram entender o que estava acontecendo com sua rede de distribuição para que medidas fossem tomadas o mais rápido possível, desde financiamento até reestruturação de prazos. “Os clientes procuravam algo para garantir que seu setor pudesse passar por esse momento de turbulência com o mínimo de ruído. Esse processo de negociação foi decisivo para que muito valor deixasse de ser perdido. Percebemos uma maturidade grande no nível de governança e transparência, e essa é uma grande lição que conseguimos aprender nos primeiros meses da crise. O ambiente econômico teve salto grande em termos de maturidade”, complementa.

Oferta e demanda – Apesar desse novo grau de maturidade, o mercado teve, inicialmente, que enfrentar um desequilíbrio entre oferta e demanda de crédito. Fernando Katsonis, CEO da Lifetime Investimentos, explica que o próprio cenário de taxa de juros no Brasil levou para esse desequilíbrio. “O investidor nunca precisou, de fato, correr risco de crédito, e isso fazia com que ele não fosse a mercado buscar esse risco em suas carteiras. Mas a nossa realidade mudou”, destaca. Para ele, independentemente da crise, com a Selic a 2% ao ano, essencialmente o investidor vai precisar correr mais risco de crédito para ter mais retorno. “O mercado em si deve cada vez mais ganhar liquidez, ficar mais sofisticado, gerando grande benefício às empresas, que tinham necessidade de ir a mercado, mas não conseguiam por falta de apetite do investidor”, diz Katsonis. 

Sandra Mara Zlatkovic, head da área de originação institucional de ativos da Quasar Asset Management (QAM), reforça que o mercado brasileiro passa por um movimento transformacional e disruptivo. “Temos um futuro interessante em termos de disponibilidade e alternativa de crédito, com apoio da tecnologia, novos entrantes, novos players, como assets, fintechs, fundos de crédito, open banking e o mercado de capitais em processo de amadurecimento”. Ela ressalta que o investidor passará a estar mais preparado para correr risco e, assim, será possível desenvolver produtos diferenciados que não eram comuns, como estruturas de mezanino, fundos de crédito estruturados, venda de carteiras hipotecárias, securitizações, seguros, etc. “O mercado tem muito a se desenvolver em número de players, variedade e quantidade de produtos e promover uma aceleração econômica”.

Contudo, com auxílio do governo, que está injetando cada vez mais liquidez no mercado, pode haver um comodismo por parte dos investidores. Essa é a análise de Rogê Rosolini, managing partner da Journey Capital. “Além do CDI baixo, alguns fenômenos recentes facilitaram esse processo”. Tatiane Mendonça, head of treasury and risk da GOL Linhas Aéreas, reforça que a percepção do mercado é que existe uma boa vontade do governo em ajudar, e os bancos estão apoiando. “Mas o acesso para as empresas continua difícil”, avalia. 

Open banking – O open banking também é visto como um instrumento que deve acelerar ainda mais o cenário de oferta de crédito no Brasil por acabar com a assimetria da informação, trazendo mais transparência e segurança para o sistema, através do score de crédito único. Mas o regulador ainda tem alguns passos para ajudar nesse processo, na visão de Sandra Zlatkovic. Fernando Katsonis complementa dizendo que o princípio das fintechs, de facilitar a informação, pode gerar um resultado super positivo para o mercado.

Para minimizar spreads bancários, é preciso cultivar um relacionamento com os investidores. “O emissor precisa, com frequência, divulgar seus números, seus dados. E na medida em que a empresa tem esse relacionamento, o investidor acaba tendo relacionamento mais saudável com emissores”, avalia Rogê Rosolini. 

Preço – Mesmo com novas alternativas de crédito surgindo, há algumas distorções no mercado que ainda precisam passar por correções. Sandra Zlatkovic destaca que as operações incentivadas foram necessárias para fomentar o mercado de capitais de renda fixa, dilatando prazos, aumentando número de players, trazendo mais liquidez, aumentado volume de crédito privado e os prazos, inclusive dando maior disciplina e governança às empresas. Porém, isso gerou distorções de preço, assimetria de informação, e investidores em geral ficam menos protegidos. “Os qualificados e private têm melhores remuneração que investidores do varejo”, diz Sandra.

Além disso, apesar dos papéis terem menos tributos, eles também geram ganhos menores que os créditos não incentivados. “Falta ação do regulador, como ocorreu com a renda variável, trazendo boas práticas, transparência, regras de best execution, para o mercado deslanchar”, destaca Sandra. Segundo ela, antes da pandemia, já havia uma discussão para acabar com incentivos a papéis como LCI, LCA, CRI, CRA, e isso deve voltar à pauta. “É uma discussão muito grande, pois temos uma cultura de achar que esse papel é melhor, mas o correto é olhar retorno sobre capital investido e margem e não a isenção do papel”. Sandra diz ainda que o momento atual exige um exercício cuidadoso para escolher as melhores ferramentas e alternativas.

Rogê Rosolini ressalta que o Banco Central já começou a interferir diretamente no mercado de crédito, mas já havia uma estabilização anterior. “O mercado já está funcionando na normalidade, mas ainda é pouco desenvolvido, com pouca profundidade”, diz. Ele destaca que as práticas de negociação do mercado geram distorções, tirando profundidade e impedindo que ele se desenvolva como um todo. “No segundo semestre, os spreads tendem a permanecer estáveis, mas temos um mercado saudável. Não vemos, no curto prazo, a volatilidade do começo do ano voltar”.

Ele diz ainda que, no mercado, não há uma cultura de dados históricos, por exemplo, sobre spread de crédito. “Para acompanhar o mercado é preciso usar as fontes de informações usuais, mas também tem que fazer conta. Não temos benchmarks muito claros, nem banco de dados histórico”, explica. Diante desse desafio, o tesoureiro ou CFO precisa entender o custo da operação, o fôlego para se fazer o pagamento das garantias, levando em consideração o momento de caixa para a operação. “Todas as boas práticas de liquidez e relacionamento com o mercado garantem que um bom CFO continue cuidando do caixa da empresa”, diz Tatiane Mendonça.

Riscos e Tíquete – Os participantes falaram brevemente sobre a importância do amadurecimento de informações de crédito, transparência de informações, necessidade de profundidade das informações, estruturações de crédito, dando como exemplo a necessidade de se avaliar projetos de infraestrutra como project finance  puro, e não debruçados em garantias corporativas, conforme destaca Sandra. Rogê complementa dizendo que o risco regulatório deve ser olhado, bem como o financiamento. “Alguns incentivos ajudam, mas podem criar situações perigosas”. 

Ele destaca ainda que existe um tamanho mínimo de emissão, cerca de R$ 50 milhões, mas em um momento de mercado mais líquido, é possível ter emissões menores. “Se o mercado como um todo ganhasse transparência e práticas mais saudáveis de negociação, enxergando quem compra e quem vende, seria possível ver emissões menores com mais liquidez”, avalia.

Já o mercado secundário deve se desenvolver com oportunidades para volumes menores, diz Fernando Katsonis. “Independente disso, os investidores estão com apetite, e em não tendo possibilidade de grande liquidez nesse mercado, é possível ter bolso para tíquetes menores”. 

Crise – Em um momento de pandemia, as empresas passam por uma dificuldade adicional na emissão de debêntures, bonds, etc., pois o mercado está fechado para crédito local e para mercado de capitais. Assim, a liquidez é extraída por meio de capital de giro e não precisa ter, necessariamente, uma operação de prateleira. Nesse sentido, Tatiane Mendonça recomenda manter o equilíbrio, pois nesse momento nada é mais importante do que ter uma boa relação com todos os stakeholders. “Isso ajuda muito no poder de negociação”, diz. “O governo injetou liquidez no sistema, mas depende dos bancos para fazer chegar ao tomador e eles têm espaços fiscais e apetite de crédito diferentes, então não foi eficiente”.

Fernando Katsonis ressalta que a crise é ideal para o investidor se posicionar. “É quando ele vai tomar um risco de crédito o mais longo possível, conseguindo garantir um duration de um ativo por prazo maior em um momento de volatilidade”, diz. Olhando para o lado da empresa, contudo, não é o momento de se posicionar sem depender de nenhum tipo de negociação. “As crises vêm e vão. Inclusive, quando montamos as carteiras de investimento, deixamos uma liquidez com argumento de que vamos precisar para um momento de alta volatilidade. Tenha sempre uma gordura, uma linha extra, pois pode ser necessário num momento pós-crise”, afirma Katsonis.

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