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O varejo pós-eleições: cenário e perspectivas

Por Enéas Pestana*

Com o fim do processo eleitoral, chegou a hora de olhar para o que acontece daqui para frente. Vamos discutir um pouco mais sobre o segmento de varejo, analisando com atenção quais serão os principais pontos de atenção e oportunidades para o setor. Há enormes desafios para chegarmos às oportunidades, mas creio que estejamos vivendo uma revolução do varejo brasileiro. Ou seria uma reinvenção? Bem, vejamos.

Falando dos desafios, a primeira consideração que devemos fazer refere-se, claro, às questões econômicas e políticas. O cenário econômico atual inclui juros muito altos, inflação elevada e alto endividamento das famílias. Além disso, cortes de gastos e necessários ajustes econômicos que devem ocorrer devem fazer a economia crescer muito pouco em 2015. A projeção divulgada pelo Banco Central em seu Boletim Focus informa que o mercado financeiro estima um crescimento de apenas 1% para o PIB do ano que vem.

E o varejo em meio a tudo isso? Nos últimos quatro anos, o setor só viu baixar seu ritmo de ascensão. Saiu de uma taxa de crescimento de 12,3% ao ano, em 2011, para somente 0,6% no acumulado de 12 meses até agosto, segundo o IBGE.

No plano político, o grande desafio é alcançar uma coalizão entre os diferentes partidos que fazem parte do governo e unir o país, resgatando a confiança para que se possa governar. Apenas isso viabilizará as discussões e negociações para implementar as urgentes e imprescindíveis reformas política, tributária e previdenciária, condições si ne qua non para eliminar importantes entraves à atividade empresarial e ao crescimento do país.

Da mesma forma, investimentos em infraestrutura (ferrovias, rodovias e portos, entre outros) também compõem um conjunto de ações elementares para acabar com o gargalo criado pelo chamado custo-Brasil, o que permitiria atrair mais investidores externos e encorajaria as empresas, de forma geral, a investir mais, criando um círculo virtuoso.

Novos hábitos – Mas os desafios do varejo não se resumem às dificuldades econômicas e políticas. Os players do setor têm as suas próprias barreiras para enfrentar. Os hábitos e tendências dos consumidores estão se modificando significativamente e numa velocidade muito grande. Há alguns anos, mudanças de hábitos de consumo, novos formatos e tecnologias, como essas que estamos vendo hoje, levavam décadas para acontecer ou se materializar. Hoje isso ocorre muito rapidamente.

Com o fenômeno da ascensão social, ocorrida ao longo dos últimos dez anos, mais de 52 milhões de brasileiros ascenderam das antes chamadas classes D e E para as classes C e B. Com isso, esses consumidores aumentaram seu poder aquisitivo, são mais informados, mais conscientes de seus direitos e deveres e, claro, muito mais exigentes.

Cerca de 95 milhões de brasileiros têm acesso à internet, sendo 25,5 milhões com conexões por banda larga. Estima-se que 33 milhões de brasileiros façam compras on-line. E esses números só tendem a aumentar.

O consumidor atual é antenado, conectado e ligado em buscadores de preço. Hoje esses sites são mais acessados que as páginas das redes varejistas. Pesquisas mostram que 60% dos consumidores já pesquisam na web antes de realizar uma compra, enquanto 52% se incomodam se sua loja ou marca favorita não estiver na internet. O nível de reclamações no Procon subiu quase 20%, de 2011 para 2012, e tem crescido muito em sites como o Reclame Aqui.

O consumidor de hoje é também infiel. Pesquisas mostram que mais de 50% dos consumidores de alimentos usam entre seis a nove canais para realizar suas compras. O destaque vai para a Grande São Paulo, onde esse percentual passa de 80%.

Como expressão de mudanças nos hábitos de consumo, vale destacar também que o consumidor de hoje exige ser atendido em cada um dos seus momentos de compras, requerendo cada vez mais proximidade e conveniência, além de requisitos básicos como preço, qualidade do produto e boa experiência de compra. Com isso, muitos canais novos têm surgido, como lojas de conveniência, atacarejos, além dos canais tradicionais.

Dentro desse cenário, não basta diversificar canais, imaginando que isso irá atender a esses compradores. Mais do que ter diversos canais, deve-se agir de forma multicanal, entregando a solução esperada a esse exigente consumidor, encantando-o em seus diferentes momentos de compra.

A decisão de compra deixa, então, de ser por fidelidade ao canal e passa a ser por fidelidade à marca que, por sua vez, dependerá cada vez mais de novos requisitos. E o mais importante deles é a reputação. O consumidor irá esperar que a sua marca querida e admirada tenha e mantenha uma boa reputação, além de atendê-lo em todas as suas necessidades e desejos. Ou seja, além de enfrentar as mudanças de que falamos, a empresa de varejo terá o desafio de construir uma boa reputação. Caso contrário, enfrentará sérios problemas para fidelizar e tornar fãs seus infiéis clientes.

Mas como construir uma boa reputação? Os varejistas terão que ir além de requerimentos básicos como qualidade do produto, preços, atendimento, ambiente de loja, adequação do canal de distribuição. Terão de se focar em responsabilidade social, que implica um compromisso com o desenvolvimento social e engajamento em  causas relevantes para as comunidades em que estão inseridos.

Também deverão pensar na sustentabilidade ambiental, implementando práticas sustentáveis e eco eficientes, além de assumir sério compromisso com o desenvolvimento socioambiental. Pesquisas demonstram, por exemplo, que mais de 50% dos consumidores de alimentos entrevistados pagariam mais por aqueles produzidos de forma sustentável.

Finalmente, o profissional do setor terá de fazer tudo isso junto com a incansável busca por equilíbrio entre crescimento sustentável, rentabilidade e retorno. Considerando conteúdo de produtos e serviços, experiência de compra e “Value for Money”. Desafiados pela busca de “Share of Heart” e também, claro, do “Share of Wallet”.

Oportunidades – A esta altura já está claro que estamos diante de uma das maiores revoluções e reinvenções do varejo brasileiro, sendo que o maior protagonista dessa historia é, sem dúvida, o consumidor. A boa noticia é que o cenário de longo prazo é de grandes oportunidades. Alguns fundamentos irão contribuir para isso, como a robustez do mercado consumidor e a baixa taxa de desemprego. Historicamente os momentos de dificuldade se alternam com os momentos de oportunidades, de crescimento e geração de valor. Isso é cíclico.

Alguns dizem que estamos vivendo uma crise, mas gostaria de lembrar a origem dessa palavra: ela vem do grego e significa “momento de decisão”. O que as empresas de varejo precisam fazer agora é trabalhar para estar preparadas e capturar o máximo de valor quando o mercado reagir e o crescimento voltar com vigor, o que sem dúvida acontecerá. Portanto, é hora de tomar as decisões corretas.

Claro que, para cada empresa, haverá soluções e necessidades específicas, mas compartilho aqui práticas e ações que aprendi ao longo de mais de 20 anos de trabalho como executivo de empresas de varejo e que podem ser úteis em um momento como o atual.

Para crescer, é fundamental ter uma forte governança corporativa, ou seja, atuar supervisionando, orientando e vigiando a empresa. Criar a visão do dono, dentro de uma atuação e estrutura moderna e eficaz. Ter as pessoas certas, que compartilhem dos mesmos valores da empresa e que estejam nos lugares certos, é fundamental para formar uma liderança provida permanentemente de metodologia e conhecimento técnico.

Estabelecer um modelo de gestão claro, enxuto e simples que expresse a forma como a empresa quer trabalhar e desenvolver sua proposta. Definir papéis e responsabilidades de forma muito clara, com base na matriz de macro processos.

Todos esses são passos muito importantes, sem esquecer que varejo não é algo complexo nem sofisticado, e não é para ser mesmo. Um de seus fundamentos é manter os processos eficazes, racionais e simples.

Outros pontos importantes: implantar um sistema de meritocracia, simples, agressivo e justo, promovendo a premiação apenas de quem atende e supera as expectativas; ter sistemas de TI flexíveis e que sejam adequados às necessidades do negócio, mas com o menor custo e o mais simples possível.

É recomendável também que seja definido um sistema de monitoramento e acompanhamento da performance da empresa, baseado em informações precisas e tempestivas, com disciplina, responsabilização, agilidade na correção de rumo e precisão nas ações.

Acredito, ainda, que é muito relevante estabelecer um círculo virtuoso de geração de valor e felicidade, com base em um propósito maior que irá aumentar o nível de engajamento dos colaboradores.

Por fim, como já falei antes, deve-se cuidar da reputação da companhia, comprometendo-se com práticas sustentáveis e cumprindo com suas responsabilidades socioambientais. É preciso entender, ainda, que não adianta implementar apenas parte desses pontos, pois a essência da preparação está justamente na conexão e consistência entre eles.

Estamos sim vivendo um momento difícil ou até mesmo de crise, mas prefiro chamá-lo de um momento de decisão e de oportunidade. Somos um país forte e de grandes oportunidades. Quem tomar, agora, a decisão de se preparar irá colher os frutos no momento da virada!

 

 

*Sócio- fundador da Enéas Pestana & Associados, consultoria que atua em todos os segmentos e tem como foco a melhoria da gestão, o ganho de eficiência e aumento do retorno sobre o capital, com grandes clientes como Grupo JBS e BTG Pactual. Com mais de 20 anos de experiência no varejo, Enéas Pestana atuou por 11 anos no Grupo Pão de Açúcar, sendo os últimos quatro no cargo de CEO.

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