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O que esperar de um futuro provável governo Temer

MACROECONOMIA

 

Por Octavio de Barros, diretor estatutário e economista-chefe do Bradesco.

 

 

Sem emitir qualquer juízo de valor sobre as questões institucionais que pavimentaram a mudança política no Brasil a favor de um provável governo interino de Michel Temer até 2018, o desafio agora é olhar para frente e refletir sobre o que poderá ocorrer com a economia no curto, médio e longo prazos.

Durante muito tempo, aqui nesta coluna, sustentamos que as soluções para os principais problemas brasileiros estavam no apoio do Congresso Nacional (capacidade de aprovação de três ou quatro reformas relevantes) e não tanto na dificuldade de obter consensos sobre temas que foram amadurecendo ao longo dos anos. A comprovação disso está no fato de que exatamente o mesmo Congresso, que rejeitou o “fator previdenciário” e gerou as conhecidas “pautas-bomba”, tem alta probabilidade de aprovar com folga medidas impopulares, porém necessárias.

Evidente que sabemos que o que nos espera nos próximos meses não será um passeio no parque na medida em que não será nada fácil ao novo governo montar uma equipe ministerial que atenda as demandas políticas clássicas e, simultaneamente, tendo o imperativo de se montar um time comprometido com profundas mudanças na condução da política econômica.

Há incentivos que se forjam para que algumas reformas sejam aprovadas no Brasil

Com base na opinião de nossos consultores políticos, parece que há de fato um comprometimento com medidas ousadas que possam criar as condições para uma recuperação consistente da atividade mais adiante. Por ampla evidência anedótica, sabemos que reformas profundas não geram impactos positivos na atividade no momento em que são implementadas. Só no médio e longo prazos elas têm seus efeitos potencializados. O impacto de curto prazo da aprovação de reformas se observa apenas na reação dos preços dos ativos no mercado que é de onde se reverbera a confiança que, em algum momento, chegará aos agentes econômicos não financeiros.

Há incentivos que se forjam para que algumas reformas sejam aprovadas no Brasil. Primeiramente, o fato de que a base de apoio no Congresso do futuro governo Temer será suficiente para aprovar medidas que requerem 308 votos pelo seu caráter constitucional. Ou seja, acredito que pelo menos ¾ dos deputados que apoiaram o pedido de impeachment na Câmara poderão dar um voto de confiança ao governo, que acabam de viabilizar.

Em segundo lugar, há menos divergências ideológicas em relação a temas como a reforma da previdência, particularmente em relação ao estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria.

Em terceiro lugar, na perspectiva de um governo futuro (seja qual for), que terá a missão de restaurar o crescimento sustentável a partir de janeiro de 2019, há todos os incentivos para que as reformas prévias necessárias sejam implementadas desde já no Brasil e não se comece da estaca zero somente dentro de quase três anos.

Entendo que a presença de Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda poderá favorecer a construção de times qualificados de profissionais que não se sentirão como cavaleiros solitários, como foi o caso de Joaquim Levy em 2015.

Restaurar a disciplina perdida nos últimos anos parece-me que será a mais absoluta prioridade

Entendo também que, com base nas declarações ventiladas na imprensa, o foco do novo governo deverá se concentrar naquilo que venho defendendo aqui nesta coluna faz bastante tempo: uma nova governança orçamentária com tetos e limites aprovados por lei, para que a taxa de crescimento do gasto público primário não seja superior à variação nominal do PIB. O fiscal ajustado intertemporalmente é a base de tudo. Restaurar a disciplina perdida nos últimos anos parece-me que será a mais absoluta prioridade.

A despeito do ceticismo compreensível que sugere um governo composto nas circunstâncias atuais, entendo que poderá ter êxito caso consiga ter um fio condutor em seis áreas que eu classifico como fundamentais: Fazenda, Planejamento, Banco Central, Previdência, MDIC e Itamaraty.

Essas áreas são cruciais para o avanço das reformas estruturais. Fazenda, Planejamento e Banco Central são fundamentais no equilíbrio macroeconômico clássico. Previdência é absolutamente decisiva, dadas as gigantescas distorções atuais, e representa 40% do gasto público total. MDIC e Itamaraty têm que estar coesos no processo de abertura da economia e na celebração de acordos bilaterais e regionais, distanciando-se do decadente multilateralismo que vem marcando a política externa brasileira. Nessa área, é fundamental a convicção da necessidade de caminhar junto com a Argentina na direção de uma radical mudança de atitude em relação ao protecionismo histórico.

O governo Temer deverá começar sendo beneficiário de um inequívoco processo de redução da inflação e com o ajuste do balanço de pagamentos praticamente concluído. Isso já é uma grande coisa.

É bem verdade que a apreciação cambial, em que pese o benefício da janela de oportunidade que vem sendo oferecida por um cenário global deflacionário e de taxas de juros nominais muito baixas ou mesmo negativas, também é resultado da melhora de expectativas da própria mudança de orientação da política econômica.

Acreditamos que a inflação corrente continuará surpreendendo para baixo

A redução do risco-país, medido pelo CDS (Credit Default Swap), favorece novos fluxos de financiamento e investimento estrangeiro. Assim, a apreciação do Real, apesar da operação de desmonte dos swaps cambiais, contribui tremendamente para a contínua melhora da inflação corrente e das expectativas de inflação.

Nós do Departamento Econômico do Bradesco acreditamos que a inflação corrente continuará surpreendendo para baixo.  O forte hiato negativo do Produto fala mais alto do que a força da inércia inflacionária brasileira, fazendo a relevante rigidez da inflação de serviços finalmente se curvar. Uma alta do IPCA de 6,5% em 2016 e bem próxima do centro da meta em 2017 parece algo ao alcance da mão. As taxas de juros de mercado comportam-se baseadas em um cenário bem parecido com esse.

É claro que a política monetária tem que ser calibrada para que o País evite o risco de encerrar o ciclo de recessão sem que a inflação de 2017 fique no centro da meta ou, de preferência, abaixo do centro da meta.

Seria um tremendo desperdício não levar a inflação para um patamar bem mais baixo no contexto atual recessivo. Isso porque considero que a necessária agenda da desindexação é algo que tomará bastante tempo no Brasil para ser implementada.

Nesse sentido, um dia será fundamental a reforma trabalhista que permita uma livre negociação, na qual o acordo coletivo se sobreponha à lei. Ou seja, chegará o dia em que o emprego, e não a indexação dos salários, seja a prioridade em períodos depressivos. Em outras palavras, enquanto a desindexação salarial não chega, nada mal se a inflação de 2017 ficasse a mais baixa possível no país mais indexado do mundo.

O que vai acontecer com os juros dependerá do grau de convicção dos membros do Copom (independentemente de quem comandará o Bacen no futuro próximo) de que a inflação convergirá de fato para o centro da meta. Entendo que assistiremos ao início do ciclo de afrouxamento ainda em 2016. Mas acredito também que, caso a taxa se mantenha inalterada por alguns meses a mais do que o mercado precifica, os cortes de juros, quando ocorrerem, poderão ser até mesmo mais intensos do que os usuais 0,25 p.p. por reunião do Copom.

A redução já contratada das taxas de juros e a apreciação do Real podem favorecer algum alívio à situação financeira de empresas endividadas

Outro desafio do novo governo será o de investir na qualidade do gasto público, buscando o máximo de eficiência alocativa. Entendo que a possível limitação do teto para o crescimento anual dos gastos primários favorecerá esse esforço. Todos os gastos serão questionados quanto ao seu alcance e pertinência e isso é muito positivo.

Nesse sentido, penso que a política social deva ser fortalecida e não o contrário como sugerem algumas análises precipitadas. Mas isso passa por um escrutínio dos gastos sociais, para que se tornem cada vez mais eficientes e que atinjam a população mais necessitada gerando externalidades positivas. A reforma da previdência é fundamental para que o financiamento dos gastos sociais se dê de forma mais racional e justa.

Além de tudo isso que, confesso, parece algo quase utópico (mas não tanto), considero que seria decisivo se houvesse um choque de confiança com base em uma mudança relevante no management de importantes empresas estatais, com foco em indicadores de eficiência e mesmo eventuais vendas de ativos para fazer frente ao pesado endividamento.

Cabe um comentário final sobre a situação corporativa no Brasil nesse início de novo governo. A redução já contratada das taxas de juros e a apreciação do Real podem favorecer algum alívio à situação financeira de empresas endividadas.

É verdade que o quadro corporativo brasileiro é bem complexo, devido à queda importante de receitas por conta da recessão que se atravessa. Porém, com a menor pressão de custos financeiros e com a interrupção da piora da atividade econômica já constatável (pedidos em carteira na média pararam de cair e estoques se reduzem significativamente), pode ser que as condições de negociação e financiamento das empresas se tornem menos severas do que as que estamos observando atualmente.

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