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O Hipermercado tem futuro?

VAREJO

 

Por Rubens Batista, sócio da 2B Partners Consulting.

 

 

O hipermercado, como conhecemos no Brasil, tem sua origem nos anos 1960. O Carrefour inaugurou  o seu primeiro hipermercado em 1963, e ingressou no Brasil em 1975 ao comprar da Ultralar a sua loja “Ultracenter” da Marginal Pinheiros – um já hipermercado – e adaptá-la ao modelo Carrefour. Essa adaptação envolveu a ampliação dos corredores, a ressetorização da loja e a inclusão de Mercearia, Perecíveis e Bazar.

A Ultralar S.A. Aparelhos e Serviços, fundada pelo Grupo Ultra, era, então, de propriedade da SHV Internacional AG, uma empresa do grupo SHV, dono, também, do Makro. Em 1979, a SHV vendeu as ações que detinha (84,6% do capital) na empresa ao Grupo Vroom & Dreesmann. Esse grupo é hoje apenas uma sombra do que foi; as lojas que davam nome ao grupo, V&D, hoje controladas por um grupo de investimentos (Sun Capital), estão em estado crítico.

A primeira loja realmente construída pelo Carrefour no Brasil foi a da Barra da Tijuca (Rio de Janeiro), onde tive a oportunidade de trabalhar. Entre 1974 e 1976, o Carrefour investiu, na operação brasileira, 207 milhões de francos franceses, ou o equivalente ao custo de duas lojas e meia (uma unidade de medida comum na rede).

O surgimento e o desenvolvimento do hipermercado devem-se aos seguintes fatores, principalmente: desenvolvimento da manufatura com um “boom” de novos produtos com grande suporte da propaganda massificada; popularização do carro; disponibilidade de tempo para compras; e casas maiores que permitiam armazenagem (depósito). Um modelo de loja talhado para a classe média.

O modelo de hipermercado deverá passar por uma grande transformação

O hipermercado ou supercenter, como é chamado nos Estados Unidos, é produto da combinação de um supermercado com uma loja de utilidades, incluindo-se, ainda, eletrodomésticos e têxtil. Um amplo sortimento contemplando produtos de margem baixa e giro alto, com outros de margem alta e giro mais lento; uma exposição planejada com sinalização, corredores amplos, iluminação e amplo estacionamento; custo operacional baixo em razão de processos bem desenhados, pessoal treinado e economia de escala; lojas amplas construídas em terrenos mais baratos, pois bairros mais afastados ou próximos à rodovias reuniam, em si, os elementos de sucesso do modelo.

No entanto, no Brasil, um outro elemento contribuiu, em muito, para o sucesso desse modelo: a inflação. Em 1975, a inflação foi de 23,96%aa; em 1976, 46,25%aa; em 1977, 38,8%aa; em.1980, 102,84%aa; em 1985, 235%aa; em 1988, 1038%aa; e em 1990, 1477%aa. Em 1990, o número médio de famílias-clientes por hipermercado Carrefour era de 63.500, e 64% desses clientes eram pertencentes à classe AB. E o Carrefour, então com 22 hipermercados em operação em 8 estados, era a sexta maior empresa entre as 500 maiores (a número 1 entre as varejistas) do país, a quarta em liquidez, e a primeira em lucro e terceira em rentabilidade!

Além disso, o surgimento de outras bandeiras do modelo corroborava tal sucesso. Para citar algumas dessas bandeiras: Extra (GPA); Bon Marché (do Sendas, hoje GPA); Eldorado (hoje Carrefour); Paes Mendonça (hoje Bompreço, bandeira do Walmart); Big (hoje Walmart).

Os hipermercados seguiram se expandindo, com sucesso, até próximo ao fim da década de 1990. No entanto, algumas transformações importantes estavam em curso e impactariam o modelo. Tais transformações envolveram o controle da inflação; a redução do tempo disponível para compras (em função do crescimento em quantidade e importância do trabalho feminino);  a redução do tamanho das famílias; e a piora do trânsito, com aumento importante no tempo de deslocamentos.

A concorrência surgiu em várias frentes: (a) o incremento do número de lojas físicas e online especializadas na área de não alimentos; (b) o supermercado de vizinhança tornando-se mais profissional e mais competitivo em termos de preços; e (c) o atacado de autosserviço capturando parte dos novos clientes advindos da classe média emergente. Além disso, o crescimento e a profissionalização das indústrias; o incremento dos custos de operação em função da perda de produtividade; a valorização imobiliária; a falta de investimento nas lojas;  e certa saturação do formato, principalmente nos grandes centros, impactaram de maneira importante a sustentabilidade do modelo.

Todas as cinco maiores redes varejistas de alimentos do país – GPA, Carrefour, Walmart, Cencosud e Zaffari – estão expostas ao modelo. Dentre essas, aquela que apresenta um desempenho melhor no modelo é o Zaffari. O que sofre mais, talvez, seja o Walmart. Isso por que o Walmart entrou no Brasil apenas em 1995, já pegando o ciclo final da era de ouro do modelo.

Quando se mira o cenário, pode-se imaginar que o hipermercado esteja condenado. Não compartilho dessa opinião. Creio, sim, que o modelo deverá passar por uma grande transformação.

Em minha visão, as tendências ou movimentos mais lógicos seriam no sentido de:

(a) redução da área de vendas total;

(b) oferecer soluções ao invés de produtos e isso passa por aumentar a área de alimentos passando a oferecer in-store catering;

(c) em não alimento tornar-se mais um agregador do que um operador,  seletivamente elegendo categorias em que se poderia operar bem e oferecer as demais via terceiros (atuar como marketplace ou mall);

(d) oferecer serviço de “click e collect”;  e

(e) incluir uma área de drive-thru.

O futuro do hipermercado está em tornar-se uma loja que provê soluções na forma de produtos e serviços para a casa. O problema é que toda grande transformação envolve visão, coragem, investimentos e tradeoffs.

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