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Endividamento das famílias recua com mudança no risco das carteiras

Dorival Dourado é presidente da Boa Vista SCPC

 

Após crescer ininterruptamente desde o início da elaboração da série pelo Banco Central em 2005, o endividamento das famílias brasileiras[1] dá seus primeiros sinais de arrefecimento. Quando excluídos os dados do financiamento imobiliário, o endividamento já apresenta recuos há mais de dois anos.

A redução do ritmo de crescimento das modalidades de crédito com maior risco ajuda a explicar esta reversão de tendência do endividamento. Após apresentarem perdas devido aos altos níveis de inadimplência, os concedentes modificaram o mix das carteiras de crédito das pessoas físicas, calibrando seus modelos estatísticos de concessão e redimensionando suas carteiras para categorias menos arriscadas, como o crédito consignado e o crédito imobiliário.

As economias mais avançadas utilizam o crédito como uma dentre as diversas ferramentas de alavancagem do crescimento econômico há muitos anos, mas no Brasil apenas recentemente este mercado começou a se desenvolver com mais intensidade. Após um longo período estagnado, o crédito teve uma explosão de crescimento na última década, ganhando significativa representatividade do PIB, ao passar de 25,2% em setembro de 2004 para 57,2% em setembro de 2014.

Com a estabilidade econômica, o risco que os empréstimos e financiamentos representavam foi reduzido, expandindo os prazos de pagamento dessas operações ao mesmo tempo em que as taxas de juros recuavam.

Este cenário também foi beneficiado pelas melhores condições do mercado de trabalho, que possibilitou um maior acesso de pessoas ao crédito. De fato, dados da Boa Vista SCPC mostram que, nos últimos dez anos, mais de 60 milhões consumidores passaram a ter acesso ao mercado de crédito.

 

O endividamento total das famílias no início da série histórica (2005) era de 18,4% e de 15,3% excluindo o crédito imobiliário, ou seja, uma diferença de apenas 3,1 pontos percentuais.

Podemos observar no gráfico 1 que a partir do fim de 2012 esta diferença vem aumentando significativamente com a

rápida expansão do crédito imobiliário e hoje atinge 17,3 pontos percentuais.

Apesar da desaceleração no ritmo de crescimento, o endividamento total das famílias continua aumentando, atingindo 46,0% em agosto de 2014, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Banco Central.

No entanto, quando desconsideramos as dívidas relacionadas ao crédito imobiliário, a trajetória do endividamento é de redução gradual, situando-se em 28,7%, após atingir o ponto máximo de 31,5% em agosto de 2012.

A desaceleração do crescimento do crédito somada à estabilidade do incremento da renda das famílias explica o menor ritmo de crescimento deste indicador. Desconsiderando a categoria habitacional do crédito total, as variações reais[2] já estão negativas, influenciando diretamente o declínio do endividamento, sem considerar o financiamento imobiliário.

Esse deslocamento das curvas de endividamento pode ser considerado uma das diversas consequências do aumento significativo da taxa de inadimplência nos anos de 2011 e 2012, quando esta alcançou 8,2%, pico só superado em 2009 no auge da crise financeira internacional.

À época, algumas categorias do crédito com recursos livres causaram perdas consideráveis aos concedentes, o que motivou uma mudança na composição das carteiras, com a priorização de categorias menos arriscadas, impactando diretamente no próprio endividamento das famílias.

Por exemplo, o crédito imobiliário que em junho de 2011 representava 18,6% da carteira de pessoa física passou a representar 29,7% em setembro de 2014. Além disso, o crédito para veículos, um dos principais responsáveis pelo aumento da inadimplência recente, passou de 19,0% para 13,7% no mesmo período. Dentre os exemplos, somente o crédito consignado aumentou a sua participação nas modalidades de crédito ao consumidor.

Até meados do segundo semestre de 2012, a tendência de endividamento das famílias era de elevação – em linha com a expansão do crédito. Entretanto, a partir desse período o saldo de crédito com recursos livres para pessoas físicas entra em declínio enquanto a massa salarial manteve um ritmo estável de crescimento, conforme podemos observar no gráfico 2.

Com isso, como já apontado no gráfico 1, a curva de endividamento, até então em ascensão, inverteu sua trajetória.

Considerando o financiamento habitacional no cálculo do endividamento, a desaceleração das taxas de crescimento do saldo para pessoas físicas (de 12,2% em janeiro de 2012 para 4,8% neste mês, conforme gráfico 3) é menos afetada devido à expansão do crédito imobiliário.

Em outras palavras, os recursos direcionados (preponderantemente os destinados ao mercado imobiliário) sustentam o fôlego do endividamento total das famílias. Estes resultados mostram que a desaceleração do crescimento do crédito imobiliário tende a frear ainda mais o aumento do endividamento.

 

Este cenário deverá se manter ao longo do próximo ano. As medidas do Banco Central de redução do compulsório para dinamizar o mercado de crédito devem ser compensadas pelo o aumento da taxa de juros e da taxa de desemprego, levando a uma estabilidade no crescimento do crédito para o ano de 2015.

O crédito imobiliário permanecerá entre as categorias prioritárias dos bancos, pois além de apresentar baixo risco, possui grande potencial de expansão.

Em contrapartida, esperamos que a renda real das famílias apresente uma leve redução, dada a menor oferta de postos de trabalho no próximo ano. Assim, o endividamento total das famílias deve manter a tendência de alta, enquanto o endividamento excluindo o crédito imobiliário acelerará a trajetória de queda.


[1] Calculado a partir da relação entre o valor atual das dívidas das famílias com o Sistema Financeiro Nacional sobre a renda das famílias acumulada nos últimos 12 meses

[2] Desconsiderados os efeitos inflacionários do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)

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