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Brasil: “the last train to high yield land”

ECONOMIA

Octavio de Barros

 

Por Octavio de Barros, diretor e economista-chefe do Bradesco.

 

 

Estamos assistindo a algo absolutamente inédito no mundo e que já está tendo e terá implicações relevantes para países emergentes como o Brasil. Cerca de 1/3 de todas as aplicações de renda fixa no mundo envolvendo títulos públicos mobiliários pagam taxas de juros nominais negativas. Não fosse isso suficiente, lembramos que 65% de todas essas mesmas aplicações de renda fixa são remuneradas a taxas reais de juros negativas.

Em outras palavras, há uma penúria de oportunidades de investimentos de renda fixa com remuneração positiva e isso se torna um grande desafio para investidores em geral e particularmente para investidores institucionais com metas atuariais a serem perseguidas. Podemos até sugerir que, além de renda fixa, neste momento, há poucas oportunidades rentáveis de investimento no mundo. Essas poucas oportunidades acabam sendo fortemente disputadas por atores globais.

Esse cenário traduz um ambiente global deflacionário e pré-recessivo em uma economia mundial sem vetores de crescimento e sem locomotivas.

Cresce a adesão à tese de que a economia mundial vive um período de “estagnação secular”, que se traduz em um período longo de crescimento medíocre ainda que isso não necessariamente implique uma recessão ou depressão. É importante fazer essa distinção. Não estamos falando em crise sistêmica, com repercussões severas como a crise de 2008. O que vivemos hoje, muito possivelmente, seja decorrente de um muito longo processo de desavalancagem, combinado com o restrito desenvolvimento do mercado de crédito no mundo por razões precaucionárias dos reguladores, que não gostariam de rever novas crises bancárias.

Nossa convicção continua de pé de que os juros no Brasil cairão bastante

É exatamente nesse ambiente que navega a política monetária brasileira. Em condições normais, ou seja, caso a inflação estivesse no centro da meta, possivelmente estaríamos operando com taxas de juros nominais no Brasil em patamares inéditos historicamente.

Em termos contrafactuais, poderíamos até mesmo considerar que, dadas as condições globais de liquidez atuais – não fosse a resiliência de uma inflação contaminada pela inércia e a indexação após uma elevada inflação corretiva em 2015 que chegou a 11% – hoje possivelmente teríamos no Brasil uma taxa de juros até mesmo abaixo do nível de 7,25% praticado de outubro de 2012 até março de 2013.  Queremos sugerir que, naquele momento, as condições não estavam disponíveis para a vigência de uma taxa Selic tão baixa como estariam atualmente, caso o cenário inflacionário assim permitisse. Longe de nós estarmos aqui sugerindo que os juros no Brasil cairão a patamares tão baixos, mas se a inflação aqui ajudasse, esse cenário seria menos absurdo do que fora no passado. Mas nossa convicção continua de pé de que os juros no Brasil cairão bastante.

É bem verdade que o Banco Central tem plena consciência dessa situação global e sabe perfeitamente que vivemos uma situação distorciva, que não deverá perdurar por um período prolongado. O ciclo de afrouxamento monetário no País irá iniciar no momento em que o Banco Central do Brasil conquistar uma maior convergência das expectativas de inflação para o centro da meta e também quando suas próprias projeções de inflação estiverem sugerindo isso. Esse cenário está se concretizando na medida em que, semana após semana, as expectativas de inflação coletadas pelo Boletim Focus vêm melhorando e o cenário projetado de inflação também aponta para desaceleração, com alguma descompressão de preços administrados e de alimentos.

Há muito incômodo de alguns analistas e empresários com o fato de que o País ainda vive uma recessão com desemprego crescente e com uma situação de fragilidade de empresas de todo porte. Portanto, uma redução da taxa de juros poderia atenuar os duros impactos do quadro atual. Mais uma vez, entendemos que o Banco Central do Brasil tem perfeita consciência disso. Entretanto, sem a ajuda do Banco Central (salvo pela sua intrínseca credibilidade), a economia está em processo de recuperação cíclica combinado com a melhora generalizada de expectativas, com a iminente definição do quadro político e com a agenda reformista que vem sendo apresentada pela qualificadíssima equipe econômica atual.

 O protagonista da retomada não pode e não deve ser o Banco Central

Acreditamos que bancos centrais não devem ter a missão de promover o crescimento econômico em nenhum país. Essa não é a sua função precípua. A retomada mais consistente do crescimento econômico depende de reformas estruturais ousadas, de condições atrativas e seguras para investimentos em infraestrutura, de menos custos de transação em geral e de um ajuste fiscal de caráter intertemporal como temos defendido aqui nessa coluna.

É bem verdade que, quando as condições para o afrouxamento estiverem presentes, a redução da taxa Selic poderá ser um elemento importante de estímulo ao investimento fixo e ao crescimento. Mas o protagonista da retomada não pode e não deve ser o Banco Central.

A visão do Banco Central é a de que o ajuste macroeconômico brasileiro, dessa vez, não pode ser vítima das mesmas precipitações que impediram avanços mais consistentes no passado recente e mesmo em um passado mais longínquo.

A compreensão do Banco Central é a de que estamos tão próximos do objetivo maior, de trazer a inflação para o centro da meta em 2017, que seria um tremendo desperdício encerrar o ciclo recessivo com a inflação projetada ainda em patamares altos. Todos os ajustes anteriores se contentaram com a inflação acima do centro da meta e essa possivelmente tenha sido a causa maior da permanente fragilidade macro brasileira e de taxas de juros sempre muito elevadas.

O Banco Central do Brasil e a equipe econômica atual acreditam que não é mais possível fazer concessões à inflação acima da meta se de fato quisermos enfrentar o maior problema brasileiro, que são os juros nominais e reais altos com sérias implicações sobre o custo do capital e sobre o apetite dos investimentos. Por mais contraditório que possa parecer, a precondição para que tenhamos taxas de juros sustentadamente mais baixas no Brasil é a manutenção das taxas de juros altas por um pequeno período adicional até que as projeções e as expectativas de inflação convirjam para a meta ou, de preferência, abaixo dela.

Há um grande potencial de fluxo novo de capitais para investimentos em concessões e venda de ativos públicos e privados no Brasil

Os benefícios de uma inflação baixa, apesar do momento ainda recessivo que o País atravessa, serão rapidamente visíveis. Os juros no Brasil cairão de forma intensa e a queda da inflação aumentará o otimismo dos agentes econômicos, que alargarão seus horizontes decisórios.

Hoje o diferencial imenso entre as taxas de juros praticadas no Brasil e aquelas negativas em termos nominais ou reais no mundo maduro geram movimentos excepcionais de arbitragem que só serão inibidos com a queda segura e gradual da taxa Selic, quando isso for possível (nossa expectativa é de que os juros iniciarão o ciclo de queda em outubro deste ano).

O único antídoto contra uma possível valorização excessiva do Real será a redução das taxas de juros. Portanto, é compreensível que o Real ainda se aprecie mais, sobretudo em um cenário de avanço de reformas e de vitórias em termos de medidas fiscais e de queda da inflação. O risco Brasil, medido pelo CDS, tenderá a convergir para patamares bem mais baixos, melhorando as perspectivas na ótica das agências classificadoras de risco.

Há um grande potencial de fluxo novo de capitais para investimentos em concessões e venda de ativos públicos e privados no Brasil. A voracidade dos investimentos estrangeiros, notadamente chineses, fortalece nosso cenário de que, em um ambiente de razoável êxito no avanço de agendas no Congresso e de ajuste intertemporal, o Real se manterá apreciado.

Além disso, os IPOs previstos e a janela aberta para captações externas soberanas e privadas confortam a visão do investidor de que os juros no Brasil terão uma inexorável tendência de queda ao longo de 2017. Esse cenário pode ser contestado caso haja frustração política ou falta explícita de compromisso com a agenda até aqui proposta.

Mesmo em um ambiente que esteja longe do ideal, mas que não seja negativo, considerando o ambiente global extremamente favorável em termos de liquidez para países emergentes, continuamos apostando nas oportunidades que são oferecidas em termos de títulos públicos de longo prazo, de preferência corrigidos por juros reais (NTN-Bs longas). Essas são literalmente “o último trem para a terra do alto retorno (the last train to high yield land)”, porque brevemente esse tipo de oportunidade não se encontrará mais na praça.

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