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Após longo período de estabilidade, inadimplência volta ao radar

Dorival Dourado é presidente da Boa Vista SCPC.

A taxa de inadimplência dos consumidores surpreendentemente manteve-se estável nos últimos anos, mesmo com a piora da maioria dos indicadores macroeconômicos. Isso não é um fato comum, já que ao longo da série histórica da inadimplência o que prevalece é a alta volatilidade.

Esta estabilidade recente em um período de significativa piora do cenário foi possível graças a fatores estritamente qualitativos. Especificamente, a mudança do comportamento de demandantes e ofertantes de crédito. Depois dos tombos sofridos pelo manuseio descomedido do crédito, que levou a aumentos consideráveis na inadimplência, o consumidor tornou-se mais cauteloso com o uso desta ferramenta de alavancagem financeira, tanto reduzindo a sua exposição como aprendendo a planejar melhor o seu orçamento.

Da mesma forma, os ofertantes, diante de um cenário mais crítico, calibraram seus modelos estatísticos de risco a fim de emprestar recursos de maneira mais seletiva, diminuindo as perdas com financiamentos não pagos.

Tais mudanças melhoraram a qualidade dos empréstimos e a relação do consumidor com o crédito. Isso tornou o mercado de crédito mais saudável, a ponto de superar as condições econômicas adversas nos últimos anos, como a menor atividade econômica e a persistente alta da inflação e da taxa de juros. Assim, a dinâmica da inadimplência contrariou as expectativas negativas do ambiente econômico, pelo menos neste primeiro momento.

2015 deve contar com um cenário macroeconômico ainda mais deteriorado

O início de 2015 já sinalizou que a maré estaria prestes a mudar. O ano deve contar com um cenário macroeconômico ainda mais deteriorado. As dificuldades econômicas devem ser bem maiores e limitarão boa parte dos efeitos da seletividade dos ofertantes e da disciplina dos demandantes de crédito.

As políticas fiscal e monetária corretivas afetam diretamente o mercado de crédito e, sem dúvida, irão perdurar por todo o ano. A elevação de tributos e da taxa de juros gera um maior comedimento da demanda das famílias por crédito, contribuindo para a retração da atividade econômica.

A inflação, que já havia rompido o teto da meta em 2014, intensificou seu ritmo de elevação, atingindo 8,17% em abril na variação acumulada de 12 meses. Seguindo esta tendência, as autoridades monetárias já aumentaram a taxa básica de juros em 6 p.p. em 25 meses, como uma tentativa, até agora frustrada, de controle dos preços. A Selic já se encontra em 13,25% e o ciclo de aperto ainda não parece encerrado.

O encarecimento da tomada de empréstimos e a alta inflação comprometem uma parcela cada vez maior da renda das famílias, deixando o orçamento mais apertado. Com isso, e sem perspectivas de que o cenário possa se reverter no curto prazo, os consumidores reduzem o consumo, priorizando os bens essenciais.

A notícia mais preocupante, sem dúvida, vem do mercado de trabalho

Este ambiente não é novidade para os consumidores, que há mais de um ano conseguem superar estas adversidades com o nome limpo. Entretanto, 2015 conta com uma nova preocupação.

A notícia mais preocupante, sem dúvida, vem do mercado de trabalho. Até agora ele parecia alheio às adversidades, apresentando taxa de desemprego declinante e constantes ganhos reais nos rendimentos, mas começou a apresentar sinais de deterioração. Grande responsável pela manutenção da taxa de inadimplência em patamar baixo, esse era um grande trunfo das famílias na manutenção do equilíbrio de seus orçamentos.

Entre dezembro de 2014 e março de 2015, a taxa de desemprego passou de 4,3% para 6,2%, nada menos que um incremento de 1,9 p.p. em 3 meses. Com o aumento de pessoas desocupadas, o rendimento real iniciou seu processo de desaceleração, atingindo um crescimento de apenas 1,7% no acumulado em 12 meses.

A inadimplência que até agora vinha na contramão, dando certo alívio às famílias, passa a ser uma variável inquietante.

Apesar da taxa de inadimplência das pessoas físicas com recursos livres, divulgada pelo Banco Central, ainda não ter apresentado sinal de reversão, outros indicadores já apontam que as más notícias estão por vir.

Aumento do fluxo de novas dívidas não pagas em breve irá respingar seus efeitos sobre a taxa do Banco Central

O indicador de Registros de Inadimplentes da Boa Vista SCPC, calculado a partir de dívidas vencidas e não pagas informadas à empresa pelos credores, registrou em março um crescimento de 2,0% no acumulado em 12 meses. Em contrapartida, o indicador de Recuperação de Crédito da Boa Vista SCPC, obtido a partir da regularização destas dívidas e consequente exclusão do banco de dados do birô de crédito, segue trajetória de queda, recuando 4,3% na mesma base de comparação.

O aumento do fluxo de novas dívidas não pagas, ao mesmo tempo em que sua posterior quitação recua ininterruptamente, em breve irá respingar seus efeitos sobre a taxa do Banco Central.

Outro importante indicador que é frequentemente utilizado como antecedente da inadimplência[1] dos consumidores brasileiros medida pelo Banco Central é o Indicador de Risco de Crédito (IRC) da Boa Vista SCPC.  Este indicador avalia o risco mediano de uma amostra de indivíduos que buscaram crédito no mercado nos últimos 12 meses, avaliando as mudanças na qualidade de crédito dos consumidores.

Depois de três trimestres consecutivos, o IRC deixou de apontar estabilidade e voltou a indicar a possibilidade de elevações futuras na taxa de inadimplência.

No gráfico podemos observar que o indicador iniciou uma trajetória de queda no 2º trimestre de 2012, antecipando o recuo observado do indicador do BC a partir do 4º trimestre de 2012. De acordo com os últimos dados, o IRC começou a apontar tendência de alta para a taxa de inadimplência do Banco Central em 2015.

O risco aumentou 0,3% no primeiro trimestre de 2015 em relação ao mesmo período de 2014, passando de 97,8 pontos para 98,1. Na comparação com o trimestre anterior, o indicador atingiu 98,1 pontos, após acréscimo de 0,9% no mês.

Tudo indica que, enfim, a inadimplência também será atingida pelos maus resultados recentes da economia. O mercado de crédito em geral vinha se comportando muito bem, a despeito das incertezas, mas já sente os efeitos da desaceleração da atividade. O último bastião, a inadimplência, parece seguir o mesmo caminho.


[1] Inadimplência de recursos livres acima de 90 dias para pessoas físicas medida pelo Banco Central.

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