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Ainda há razões para algum otimismo em 2017?

ECONOMIA

   

Por Octavio de Barros, diretor executivo do Instituto República. 

 

 

Em meio a uma tremenda instabilidade política com ruídos em altíssimos decibéis, os mercados, preocupados, por enquanto seguem concedendo o benefício da dúvida à capacidade de a base aliada do governo Temer aprovar um conjunto importante de medidas estruturais. É de fato surpreendente a leitura majoritária de que as reformas poderão avançar mesmo nesse contexto político complexo, para se dizer o mínimo. Mas há algumas razões para isso.

Há uma percepção de que o governo Temer, circunstancialmente, tem uma capacidade maior do que governos anteriores de arregimentar parlamentares em número suficiente para aprovar as reformas imprescindíveis para a retomada da confiança e da atividade. As circunstâncias desse apoio podem ser mais bem avaliadas pelos cientistas políticos e não por nós economistas.

Portanto, nossos consultores políticos sugerem que a coesão ainda existente de congressistas em torno das reformas propostas pelo governo reflete mais um instinto defensivo de sobrevivência e de proteção (sobretudo em relação à chamada operação “Lava a Jato”) do que de efetiva convicção sobre a pertinência das reformas.

Mesmo em um ambiente político conturbado, a nossa visão e a visão majoritária do mercado são de que a reforma da previdência poderá ser aprovada ao longo de 2017

É bem verdade que os analistas políticos estão lidando com algo que eles mesmos nunca viram e que, portanto, pode haver erros nessas análises. Como se diz em inglês estamos em “uncharted waters”, ou seja em mares desconhecidos. Alguns outros analistas consideram que o governo Temer, por ser um governo apenas de transição e por não se preocupar com popularidade, já acumula a mais longa história de vitórias legislativas desde 1995 e que, em tese, teria condições de seguir aprovando reformas relevantes como a da previdência.

O ano de 2016 foi uma dos mais profícuos em termos de aprovações que culminam agora com a aprovação final da emenda constitucional do teto de gastos pelo Senado. Entrando o recesso de fim de ano, pode ser que a poeira e a temperatura baixem um pouco. Não é possível ter certeza absoluta disso, mas, por total falta de alternativa, pode ser que o governo Temer consiga viabilizar a excelente agenda reformista proposta pela área econômica do governo.

Temos que reconhecer que já foi possível aprovar a mãe de todas as reformas que é o teto constitucional para o crescimento anual do gasto primário e aponta-se, com firmeza de objetivos, para um debate aberto sobre a reforma da previdência. Mesmo em um ambiente político conturbado, a nossa visão e a visão majoritária do mercado são de que a reforma da previdência poderá ser aprovada ao longo de 2017.

A dúvida é sobre o escopo daquilo que eventualmente será aprovado. Uma reforma pouco abrangente (com baixa contribuição dos diferentes segmentos etários e profissionais) seria frustrante na ótica do mercado. Quanto maior a abrangência da reforma da previdência maior será a percepção de que o ajuste fiscal intertemporal estará assegurado, a despeito da crise política que se observa. Entendemos que haverá algum avanço nesse tema da previdência, talvez longe do ideal, mas algo razoável possa ser alcançado mesmo nesse ambiente de incerteza política.

Além disso, uma parte da agenda micro poderá avançar sem que grandes tensões ideológicas e políticas apareçam. Agendas como a eliminação de proteções ex-tarifárias de importação, das regras de conteúdo nacional, das distorções tributárias e trabalhistas, da insegurança jurídica etc. Sem falar da possibilidade de algum acerto sustentável na negociação dos Estados com a União.

Pela primeira vez em muitos anos, há um reconhecimento mais amplo de importantes segmentos sociais da situação limite em que chegamos

A rigor, não seria exagero sugerir que os mercados estão muito mais focados na aprovação das reformas constitucionais e nas demais reformas microeconômicas do que na efetiva sustentabilidade desse ou daquele governo. Daí, um certo olhar negligente e pragmático em relação à crise política e seus ruídos. Mas essa negligência pode desaparecer ao sinal do primeiro fracasso em votações relevantes.

Entendemos também que, apesar da deterioração do cenário político, o país resistirá à tentação de adotar políticas expansionistas, relembrando uma série de medidas do passado que nos levaram às dificuldades atuais de um crescimento potencial muito baixo e um grave problema fiscal. A equipe econômica, pilar da relativa estabilidade do país, se posiciona terminantemente contra a volta ao passado na gestão macro.

Nesse sentido, uma pergunta cabe bem aqui: dado o gabarito, a credibilidade e a qualidade do time econômico, qual seria o grau de autonomia que as agendas propostas poderiam adquirir mesmo em um ambiente político como esse? Temos a intuição, a ser testada, de que, pela primeira vez em muitos anos, há um reconhecimento mais amplo de importantes segmentos sociais da situação limite em que chegamos no plano fiscal e de previdência e de falta de reformas em geral que pode favorecer alguns “avanços de país” e não desse ou daquele governo.

A dúvida estaria mais na capacidade de liderança e coordenação nesse momento em que a crise política é suprapartidária envolvendo praticamente os nomes mais ativos do Congresso Nacional. Serão alguns potenciais nomes firmes e determinados nesse momento na condução parlamentar dessa agenda?

Mesmo ainda sem convicções em relação a essas dúvidas, temos que reconhecer que há alguns fatores atenuantes das grandes incertezas políticas vigentes. É possível observar, já por alguns meses seguidos, uma surpresa inflacionária que permitirá que a inflação de 2016, muito provavelmente, fique um pouco abaixo do teto da meta de 6,5%. Isso traduz os efeitos de uma política monetária apertada por parte do Banco Central combinada com um agravamento da recessão que levará a uma queda de PIB de 3,6% (muito similar à queda observada de -3.8% em 2015).

Nossa convicção é a de que são muito altas as chances de a inflação de 2017 se aproximar muito do centro da meta de 4,5%. Como sabemos, inflação alta no Brasil acentua o pessimismo e agora caminhamos para algo bem mais moderado. Assim, a quase totalidade dos analistas do mercado antecipa uma forte redução de taxa de juros ao longo de 2017, tendo em vista que as expectativas de inflação já estão bastante bem ancoradas.

Cabe às lideranças atuais e às que poderão surgir terem calma e sangue frio nesse momento para conduzir as incontornáveis agendas que poderão levar o país a um crescimento mais robusto

Entendemos que os juros serão reduzidos de forma considerável em 2017 depois de um ciclo de conservadorismo, cujo lado positivo está evidente na inflação de 2016 (no teto da meta) e na possibilidade de cumprimento da meta de inflação de 2017, apesar do efeito colateral do aprofundamento da recessão.

A queda significativa da taxa básica de juros atenuará a crise atual de solvência das empresas com excesso de alavancagem e permitirá um melhor poder negocial com credores. Além disso, pavimentará o desenvolvimento do mercado de capitais complementarmente ao novo papel do BNDES focado essencialmente em infraestrutura. Está aí uma possível alavanca para a retomada do crescimento no segundo semestre de 2017.

Claro que o crescimento de 2017 será acanhado, caso positivo, mas isso não significa que todo o trabalho realizado até aqui tenha sido em vão. Muito pelo contrário. Há um reconhecimento de que a direção é correta e de que não há atalhos para o ajuste que o país precisa. Mas uma coisa parece clara, a queda dos juros é a única senha disponível para a retomada esperada para 2017.

Finalmente, como complicador do ambiente doméstico já difícil, o cenário internacional se transformou muito depois da eleição de Trump, sugerindo um impacto contracionista para os países emergentes como o Brasil. O Brasil não depende diretamente do governo americano (ausência de acordos etc), mas é muito sensível às decisões do FED-Federal Reserve. É justamente através do canal financeiro, devido à percepção de que as taxas de juros nos EUA aumentarão em um ritmo mais acelerado que o mercado precificava antes, que reside a maior volatilidade do preço dos ativos no Brasil e no mundo.

Entendemos que a normalização monetária nos EUA será temperada pelo FED (apenas três aumentos de juros em 2017) apesar da leitura dos analistas de que as medidas propostas por Trump (expansão fiscal e protecionismo) são altamente inflacionistas. Mas sabemos também que essas medidas não garantem um crescimento sustentado substantivamente maior.

Além disso, os bancos centrais europeu e japonês, na direção oposta, seguem com políticas expansionistas devido ao ambiente global de estagnação. Algum fortalecimento do dólar e depreciação das demais moedas (Real incluído) é plausível nesse sentido, mas entendemos que o mercado já se antecipou a esse movimento. Como contraponto, o maior preço das commodities (no caso do Brasil, particularmente minério de ferro) joga no sentido de melhorar os termos de troca, portanto dando alguma resistência ao Real.

Resumo da ópera: desafios múltiplos, mas os problemas brasileiros são eminentemente idiossincráticos e cabe às lideranças atuais e às que poderão surgir terem calma e sangue frio nesse momento para conduzir as incontornáveis agendas que poderão levar o país a um crescimento mais robusto nos próximos anos.

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